sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Humor

Humor pra mim é como a matemática e a computação: não atinge sua forma mais interessante sozinho, mas junto com outros aspectos da vida é maravilhoso.

Sobre confiança e algumas escolhas importantes

A vida não é linear, é orgânica. Mas ficamos obcecados com uma narrativa linear da vida. É uma ideia impregnada.

Lembrete pra mim mesmo: preciso reconstruir meu senso de habilidade e inteligência. Esqueça a acadêmia como o ápice da existência, como o único caminho. Alguém de 3 anos não é metade de alguém com 6. Esqueça a linearidade! Equeça a conformidade de uma educação fast food e padronizada! Viva, e colhe a cada dia o melhor.

Voar

Há várias formas de alçar voo. As que mais importam são as que envolvem disciplina e muita prática. Voar sem ter um fim trágico, sem aumentar o peso de alguém, leva tempo.

É atividade para os pacientes.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Nós

Somos a membrana que separa dois universos, o de dentro e o de fora.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A vida é um grande RPG

Tem um mestre com planos desconhecidos.
Sou uma personagem.
Tenho habilidades.
Dependo de eventos aleatórios.
E ando com uma trupe de amigos em busca de dragões.

sábado, 2 de julho de 2011

Frase para epitáfio

"Eu não estou aqui"

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Ode à morte!

Um brinde à bendita morte que intensifica as coisas!
Um brinde ao fim que torna a felicidade possível!
Louvo o momento do cigarro, da dúvida,
do sorriso nas trevas, do comer na fome,
do banho quente no dia frio, do mijo liberto,
do gozo surpreso, da antítese presumida,
da esperança pela educação em meio a realidade brasileira de 2011.

Ser um anjo imortal é já estar morto.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Pense

"I honestly think it is better to be a failure at something you love than to be a success at something you hate."

George Burns

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Tenho um jazz na cabeça

Bum, pum-bum, pum-bum...

... e um coração que dança tango. Vamos tentar um rock?

sexta-feira, 25 de março de 2011

Propósitos

A maximização de lucros é uma doença estranha da qual estamos nos recuperando. Somos maximizadores de propósito e estamos começando a enxergar isso.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Citações

"Adoro as citações. Dão o poder de falar o óbvio e ser ouvido."

Bruno Silva

Da veleidade cotidiana

É hoje, de novo. Relembro perplexo que o tempo não se mede em segundos. As horas são uma armadilha sutil criada pelos homens para os homens. O tic-tac high-tec é silencioso para não nos tirar do TOC da navegação. E no fim do dia foi-se a oportunidade de mudança. Passam as horas sem carregar o tempo consigo. "Não é minha obrigação", responde apressada se questionada. E tem razão.

Fazer passar o tempo é a arte de quem amadurece. Sem reflexão os anos não existem.

Direção

"Semeia um pensamento e colherás um acto; semeia um acto e colherás um hábito; semeia um hábito e colherás um carácter; semeia um carácter e colherás um destino."

Peter Treeft

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Constatação

O que há de mais constante no Universo é a mudança.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Memórias do ensaio para a humanidade VI: Primeira Guerra

" Mas logo me invade novamente uma nova onda de vergonha e de arrependimento, que vem confundir-se com desejo de segurança. Levanto-me um pouco, para observar o que se passa. Meus olhos ardem, de tal modo tenho o olhar fixo na escuridão. Um foguete luminoso sobe ao espaço; encolho-me de novo.
Debato-me numa luta furiosa e irracional, quero sair da cratera e, no entanto, deslizo novamente para dentro e digo: "Você tem de fazê-lo, é pelos seus companheiros e não por uma ordem idiota qualquer"; e, logo depois, acrescento: "Que me importa tudo isto? A vida é uma só...". Eis o resultado da licença, penso amargamente, como desculpa. (...)
(...) Agora, ouço também vozes abafadas. A julgar pelo tom de uma delas, parece ser Kat quem fala.
Um calor bom me invade bruscamente. Estas vozes, estas poucas palavras suaves, estes passos na trincheira atrás de mim arrancam-me de um só golpe da terrível solidão do medo da morte a que quase me entregara.
Estas vozes são mais do que a minha vida, são mais que o amor materno, mais que o medo, são a coisa mais forte e protetora que há no mundo: são as vozes dos meus companheiros.
Não sou mais uma trêmula centelha de vida, sozinho na escuridão - pertenço a eles e eles a mim, compartilhamos o mesmo medo e a mesma vida, somos unidos como amantes, de uma maneira simples e profunda. Gostaria de mergulhar meu rosto nelas, nestas poucas palavras que me salvaram e que me sustentarão."

(...)

"Rapidamente, tiro meu pequeno punhal da bainha, seguro-o com firmeza e escondo-o na lama, sem soltá-lo da mão. Se alguém saltar aqui dentro, será imediatamente esfaqueado (isto fica martelando na minha cabeça) - será bem na garganta para que não possa gritar. Não há outro recurso: estará tão assustado quanto eu e cheio de medo, e atirar-nos-emos um ao outro - portanto, tenho que ser o primeiro."

(...)

" (...) Justamente quando procuro levantar-me um pouco, rola por cima de mim um corpo, que cai estendido.
Não penso em nada, não tomo decisões; atiro-me furiosamente sobre ele e sinto apenas que o corpo subitamente estremece, torna-se flácido, dobra-se sobre si próprio e cai.
Quando recupero a consciência, minha mão está pegajosa e molhada.
O homem agoniza. Parece-me que grita, que cada respiração é como um bramido, mas são apenas minhas veias que latejam assim. Gostaria de tapar-lhe a boca, entupi-la de terra, apunhalá-lo novamente, para que se cale, ele precisa ficar quieto, está me denunciando; por fim consigo controlar-me, mas fico tão fraco que não consigo mais erguer a mão contra ele.
Então, arrasto-me até o outro extremo da cratera, onde me mantenho com os olhos fixos nele, apertando o punhal, pronto a precipitar-me sobre ele ao menor movimento; mas não fará mais nada, sua respiração já é um estertor. (...)
(...) O homem não está morto: está morrendo, mas ainda vive. Rastejando, aproximo-me dele; paro; apóio-me nas mãos e torno a rastejar mais um pouco; espero, torno a avançar; é uma dolorosa jornada de três metros, uma longa e terrível jornada. Finalmente, estou a seu lado.
Agora, abre os olhos. Deve ter me ouvido, e me olha com uma expressão de absoluto pavor. O corpo está imóvel, mas, nos olhos, a expressão de fuga é tão intensa que, por um instante, chego a pensar que teriam força para arrastar o corpo com eles para centenas de quilômetros de distância, com um único impulso.
O corpo está imóvel, sua imobilidade é total: não se ouve um só ruído, cessou o estertor, mas os olhos gritam, urram: neles, juntou-se toda a vida que ainda resta, num esforço sobre-humano para escapar, um pavor atroz diante da morte, diante de mim."

(...)

" Que horas atrozes! O estertor recomeça: como o ser humano morre lentamente. De uma coisa estou certo: ele não pode ser salvo. É bem verdade que tentei convencer-me do contrário, mas, ao meio-dia, esta esperança foi destruída, desfez-se diante dos seus gemidos. Se ao menos não tivesse perdido meu revólver, dar-lhe-ia um tiro. Apunhalá-lo é que não consigo.
À tarde, atinjo os limites dos pensamentos. A fome me devora: é tanta, que sinto vontade de chorar, não consigo lutar contra isto. Por várias vezes, vou buscar mais água para o moribundo, e eu mesmo bebo também.
Este é o primeiro homem que matei com minhas próprias mãos e cuja morte, posso constatá-lo sem sombra de dúvida, foi obra minha. Kat, Kropp e Müller também já viram homens a quem mataram: isto acontece a muita gente, principalmente em combate corpo a corpo...
Mas cada respiração arquejante corta meu coração. Este ser que agoniza tem o tempo do seu lado, possui um punhal invisível, com que me fere: o tempo e meus pensamentos.
Quanto não daria eu para que se salvasse! É duro ficar deitado aqui, sendo obrigado a vê-lo e ouvi-lo.
Às três horas da tarde, ele morre.
Respiro aliviado, mas só por pouco tempo. Em breve, parece-me mais doloroso suportar o silêncio do que os gemidos."

(...)

"O silêncio prolonga-se. Falo, preciso falar. Assim, dirijo-me a ele e digo-lhe:
- Companheiro, não queria matá-lo. Se saltasse novamente aqui dentro, não o faria, se você também fosse razoável. Mas, antes, você era apenas um pensamento, uma dessas abstrações que povoam meu cerébro e que exigem uma decisão... Foi essa abstração que apunhalei. Mas agora, pela primeira vez, vejo que é um ser humano como eu. Pensei nas suas granadas, na sua baioneta e no seu fuzil. Agora, vejo sua mulher, seu rosto e o que temos em comum. Pordoe-me, companheiro. Só vemos as coisas tarde demais. Por que não nos repetem sempre que vocês são também uns pobres-diabos como nós, que suas mães se inquietam como as nossas e que temos o mesmo medo da morte e morremos do mesmo modo, sentindo a mesma dor?...
"Perdoe-me, companheiro, como é que você pôde ser meu inimigo. Se jogássemos fora estas armas e estas fardas, poderia ser meu irmão, como Kat e Albert. Tire vinte anos de minha vida, companheiro, e levante-se... tire mais, porque não sei o que farei deles agora.""

(...)

" Então, aos poucos, reparamos que começa um bombardeio. Os balões cativos descobrem a fumaça de nossa chaminé, e os projéteis chovem sobre a casa. São as malditas granadas de artilharia ligeira, que fazem um orifício pequeno, lançando muito longe a carga. Aproximam-se com seu assobio característico, mas não podemos abandonar a comida. Alguns estilhaços entram pela janela da cozinha. O assado já está pronto. Mas agora torna-se cada vez mais difícil fritar os bolinhos. Os projéteis caem tão perto, que a intervalos cada vez menores vão bater na parede e penetram pela janela. Cada vez que ouço uma granada aproximar-se abaixo-me com a frigideira e os bolinhos. Logo depois, levanto-me e prossigo o meu trabalho.
Os saxões param de tocar: um estilhaço atingiu o piano. (...)
(...) Frito os últimos quatro bolinhos e, enquanto o faço, sou obrigado a abaixar-me duas vezes até o chão... mas, afinal, são mais quatro bolinhos, e este é meu prato predileto."

(...)

" Sou jovem, tenho vinte anos, mas da vida conheço apenas o desespero, o medo, a morte e a mais insana superficialidade que se estende sobre um abismo de sofrimento. Vejo como os povos são insuflados uns contra os outros e como se matam em silêncio, ignorantes, tolos, submissos e inocentes. Vejo que os cérebros mais inteligentes do mundo inventam armas e palavras para que tudo isto se faça com mais requintes e maior duração. E, como eu, todos os homens de minha idade, tanto deste quanto do outro lado, no mundo inteiro, vêem isto; toda a minha geração sofre comigo. Que fariam nossos pais se um dia nós nos levantássemos e nos apresentássemos a eles, para exigir que nos prestassem contas? Que esperam de nós, se algum dia a guerra terminar? Durante todos esses anos, nossa única preocupação foi matar. Nossa primeira profissão na vida. Nosso conhecimento da vida limita-se à morte. Que se pode fazer, depois disto? Que será de nós?"

(...)

"Fora e dentro de nós, há campos cheios de crateras."

(...)

" Nossa comida é tão ruim e adulterada com tantos sucedâneos que ficamos doentes. Os donos de fábricas na Alemanha enriquecem, enquanto a disenteria nos corrói os intestinos."

(...)

" Os tanques, antes objeto de troça, transformaram-se em armar terríveis. Desenvolvem-se em longas filas blindadas e, aos nossos olhos, personificam, mais do que qualquer coisa, o horror da guerra.
Não vemos os canhões que despejam sobre nós o seu fogo; as linhas de ataque da infantaria inimiga são compostas de seres humanos como nós; estes tanques são máquinas; suas esteiras giram sem parar, como a guerra; são portadores da destruição, quando descem insensivelmente para as crateras e sobem novamente sem parar, como uma frota de encouraçãdos, rugindo, soltando fumaça, indestrutíveis bestas de aço, esmagando mortos e feridos. Encolhemo-nos diante deles, dentro de nossa pele fina, diante de seu colossal poder, nossos braços são canudos, e nossas granadas de mão, palitos de fósforos."

(...)

" Bertinck levou um tiro no peito. Momentos depois um estilhaço esmaga-lhe o queixo. O mesmo estilhaço ainda tem força de abrir o quadril de Leer. Leer geme e apóia-se nos braços, perde sangue rapidamente; ninguém pode ajudá-lo. Como um saco que se esvazia, dobra-se sobre si próprio depois de alguns minutos. De que lhe serviu ser tão bom aluno de matemática na escola?"

(...)

" Tombou morto em outubro de 1918, num dia tão tranquilo em toda a linha de frente, que o comunicado limitou-se a uma frase: "Nada de novo no front".
Caiu de bruços e ficou estendido, como se estivesse dormindo. Quando alguém o virou, viu-se que ele não devia ter sofrido muito. Tinha no rosto uma expressão tão serena, que quase parecia estar satisfeito de ter terminado assim."

Erich Maria Remarque - Nada de novo no front

E tudo pôde acontecer novamente anos depois, e ainda hoje continuar a acontecer:

"A morte do povo foi como sempre tem sido: como se não morresse ninguém, nada, como se fossem pedras que caem sobre a terra, ou água sobre água."
Pablo Neruda.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Memórias do ensaio para a humanidade V: Primeira Guerra

" Ao lado do nosso alojamento, fica o grande Campo de Prisioneiros dos Russos. Como separação, instalaram redes de arame, mas, apesar disto, os presos conseguem chegar até nós. Parecem muito tímidos e medrosos, embora quase todos sejam muito altos e tenham longas barbas - parecem cães são-bernardo, temerosos e acuados. Rondam nossas barracas, revistando as latas de lixo. Pode-se bem imaginar o que encontram lá! A comida, além de não ser boa, já é escassa para nós: há nabos cortados em seis pedaços e cozidos em água, cenouras com a terra e tudo; batatas mofadas são deliciosas iguarias, e o luxo maior é uma sopa rala de arroz, onde devem nadar nervos de carne de vaca, mas que estão cortados em pedaços tão pequenos que não os encontramos. Apesar disso, é claro que se come tudo. Quando, na verdade, há alguém tão rico que não precise raspar o prato, já se apresentam dez outros prontos para ajudá-lo a livrar-se dos restos.
Apenas as sobras que a colher não alcança são despejadas na lata de lixo. Às vezes, juntam-se a elas algumas cascas de nabo, crostas de pão mofadas e sujeira de toda a espécie.
E este ralo, sujo e miserável lico é o objetivo dos prisioneiros. Eles o retiram avidamente, colocando-o em latas fedorentas, que levam escondidas debaixo das camisas.
É estranho ver esses nossos inimigos tão de perto. Têm rostos que nos fazem refletir: são rostos bonachões de bons camponeses, testas largas, narizes largos, lábios grossos, mãos grandes e cabelos crespos. É gente para arar a terra e ceifar e colher maçãs. Têm um ar ainda mais inofensivo que os nossos camponeses da Frígia.
É triste ver seus movimentos e o modo como mendigam um pouco de comida. Estão todos um tanto enfraquecidos, porque recebem apenas o indispensável para não morrerem de fome. Há muito tempo que nós mesmos não recebemos o bastante para nos satisfazermos. Eles têm disisteria, seus olhares são medrosos, alguns mostram furtivamente as fraldas da camisa ensanguentadas. Suas costas, suas nucas estão curvadas, os joelhos dobram-se; olham obliquamente de baixo para cima, quando estendem a mão para mendigar, agradecendo com as poucas palavras que sabem de alemão - mendigam com as vozes suaves, baixas e musicais, que evocam as lareiras quentes e os quartos aconchegantes de casa.
Há homens que lhes dão pontapés até caírem no chão; mas estes são uma minoria. A maior parte dos nossos deixa-os em paz.
É bem verdade que, às vezes, ao vê-los se humilharem tanto, a gente fica com raiva e distribui alguns pontapés... Se ao menos eles não nos olhassem desta maneira - quanta miséria cabe nestes dois pontinhos negros, nestes olhos que apenas um polegar conseguiria cobrir."

(...)

" Tiro meus cigarros, parto cada um deles em dois pedaços e dou-os aos russos. Eles inclinam-se e os acendem. Agora ardem pequenos pontos vermelhos em alguns rostos. Consolam-me; parecem pequenas janelas brilhando nas escuras aldeias, indicando que, por trás delas, há quartos cheios de paz."

(...)

" - Não posso perguntar diretamente ao médico: ele poderia ficar melindrado, e , afinal, é ele quem vai operar mamãe.
Sim, penso amargurado, assim somos nós, assim são os pobres. Não se atrevem a perguntar o preço, mas preocupam-se terrivelmente com isto; no entanto, os outros, para quem esse detalhe não é importante, acham muito natural combinar previamente o preço. E, nestes casos, o médico nunca se melindra."

(...)

" Os dois bolinhos da extremidade estão um pouco mofados, mas ainda se pode comê-los, Eu os pego para mim e dou os mais frescos para Kat e Kropp.
Kat mastiga e pergunta:
- Foi sua mãe quem fez?
Respondo afirmativamente com a cabeça.
- Bom - dis ele - isto se vê logo pelo gosto.
Sinto vontade de chorar. Nãe me reconheço mais.
Mas tudo vai melhorar, agora que encontrei Kat, Albert e os outros. Meu lugar é aqui.
- Você teve sorte - murmurou Kropp, antes de adormecer. - Dizem que vamos para a Rússia.
Para Rússia?! Mas lá não chega a haver guerra.
Ao longe, a frente troveja. As paredes da barraca estremecem."

(...)

" - Teria havido guerra, se o Kaiser se tivesse oposto?
- Acredito que sim - afirma. - Dizem que ele, na verdade, não a desejava.
- Bem, talvez ele sozinho não fosse suficiente, mas bastaria que umas vinte ou trinta pessoas no mundo tivessem dito "não".
- É provável - admito -, mas eram justamente essas pessoas que queriam a guerra.
- Pensando bem, é curioso - continua Kropp. - Estamos aqui para defender a nossa pátria. Mas os franceses também estão aqui para defender a deles. Quem tem razão?"

(...)

" Mas, que diabo, acertaram em cheio por aqui - digo a Kat.
- Minas - responde e aponta pra cima.
Dos galhos, pendem mortos. Um soldado nu parece dobrado sobre a forquila de um galho; ainda conserva o capacete na cabeça; do resto, está inteiramente despido. Apenas uma metade do corpo, o tronco, está lá em cima: faltam as pernas.
- Que teria acontecido? - pergunto.
- Este foi arrancado da roupa - murmura Tjaden.
Kat observa:
- É estranho, já vimos isto algumas vezes. Quando uma destas minas apanha alguém, é como se realmente lhe arrancassem a roupa. É resultado da pressão do ar.
Continuo a procurar. De fato, é verdade o que ele diz. Aqui e lá estão pendurados apenas farrapos de uniformes; mais adiante, colou-se uma massa sangrenta, que já foram membros humanos. Vemos um corpo estendido com uma só perna, enrolada num pedaço de túnica. Está nu, a farda espalhada pela árvore. Faltam-lhe os dois braços, é como se tivessem sido desatarraxados. Descubro um deles, que foi cair a uns vinte metros do corpo, no meio do mato.
O morto está de bruços. Lá, onde há as feridas dos braços, a terra está preta de sangue. Sob os pés, a grama está esmagada, como se o homem tivesse ainda esperneado.
- Isto não é brincadeira, Kat - digo.
- E um estilhaço de granada na barriga também não - responde, dando de ombros.
- Não comecem a ficar moles - diz Tjaden.
Tudo isto deve ter acontecido há pouco tempo, pois o sangue ainda está fresco. Já que todos os homens estão mortos, não nos demoramos, mas registramos o acontecimento no próximo Posto de Socorro Médico. De mais a mais, não é nossa obrigação fazer o trabalho destes idiotas carregadores de macas."

Erich Maria Remarque - Nada de novo no front

Memórias do ensaio para a humanidade IV: Primeira Guerra

" Minha mãe, de repente, segura minha mão com ímpeto e pergunta, hesitante:
- É dura a vida nas trincheiras, Paul?
- Mãe, que devo eu responder a isto? Você não entenderia e nunca poderia imaginá-lo. E não deveria imaginá-lo. Foi duro?, você pergunta, você, mãezinha - sacudo a cabeça e digo: - Não, mamãe, nem tanto. Há muitos companheiros e estamos sempre juntos, o que torna as coisas mais fáceis.
- É, mas há pouco tempo Heinrich Bredemeyer esteve aqui e contou que agora é terrível lá na frente, com gás e todo o resto.
É minha mãe quem diz isto: "Com gás e todo o resto"? Ela não sabe o que diz, apenas sente medo por mim. Devo contar-lhe que, uma vez, descobrimos três trincheiras inimigas, onde todos estavam solidificados nas suas posições, como que abatidos por um raio? Nos parapeitos, nos abrigos onde por acaso foram surpreendidos, ficaram de pé ou deitados, os homens mortos com os rostos azuis.
- Ah, mamãe, o que se diz por aí são só boatos... - respondo."

(...)

" Ja sei que tudo aquilo que agora, enquanto ainda estamos na guerra, afunda em nós como uma pedra despertará novamente depois dela, e, a partir de então, começará a grande luta. De vida ou de morte."

(...)

" O caneco está pela metade, mas ainda há uns bons goles gelados para saborear, e, além disso, posso pedir um segundo e um terceiro, se quiser. Não há chamada nem bombardeio, os filhos do dono brincam na pista de boliche, e o cachorro vem encostar a cabeça no meu joelho. O céu está azul; por entre o verde dos castanheiros, ergue-se a torre da igreja de Santa Margarida. Como isto é bom, como gosto de tudo. Mas não consigo me entender com as pessoas. A única que nada pergunta é minha mãe. Mas, com meu pai, já é diferente. Gostaria que lhe falasse sobre o front, tem uma curiosidade que acho ao mesmo tempo tola e comovente; perdi a intimidade que tinha com ele. Compreendo que não saiba que essas coisas não podem ser contadas, apesar de ter vontade de agradar-lhe; mas é muito perigoso para mim transformar os acontecimentos em palavras: tenho medo de que eles então se agigantem de tal modo que eu não consiga mais dominá-los. Onde estaríamos, se tudo que nos acontece no campo de batalha fosse muito claro para nós?"

(...)

" Infelizmente aceitei o charuto e, por isto, sou obrigado a ficar. Todos derramam amabilidades; nada posso fazer. Mesmo assim, fico irritado. Para demonstrar um mínimo de reconhecimento, entorno o copo de cerveja de um só trago. Imediatamente, pedem um segundo copo para mim; as pessoas sabem o quanto devem a um soldado. Discutem sobre os territórios que devemos anexar. O diretor com o relógio de corrente dourada quer pelo menos toda a Bélgica, as regiões carboníferas da França e grandes áreas da Rússia."

(...)

" As lombadas dos livros alinham-se uma ao lado da outra. Ainda os conheço e me lembro de como os arrumei. Suplico-lhes com os olhos. Falem comigo... recebam-me... receba-me, vida da minha juventude, você que é despreocupada e bela... receba-me novamente...
Espero... espero.
As imagens flutuam pelo meu pensamento, mas não se fixam, são apenas sombras e lembranças.
-Nada - nada...
Minha inquietação aumenta..."

(...)

" Prefiro ficar sozinho; assim, ninguém me irrita, porque todos voltam sempre ao mesmo tema, como tudo vai mal, como tudo vai bem; um acha isto, o outro, aquilo... acabam sempre falando do que lhes interessa pessoalmente. Antigamente, devo ter sido assim também, mas hoje não me sinto mais ligado a isso.
Falam demais. Têm preocupações, objetivos e desejos que eu não entendo. Às vezes, sento-me com um deles num pequeno jardim do café e tento explicar-lhe que o importante, afinal, é ficar sentado assim, tranquilamente, como agora. Compreendem, é claro, e o admitem; chegam até a concordar, mas só com palavras, isto é... sentem-no, mas só pela metade, o resto de seu ser está ocupado com outros assuntos; estão de tal forma divididos dentro de si próprios que nenhum deles sente-o com toda a sua alma; até mesmo eu não consigo expressar claramente o que penso.
Quando os vejo assim, nos seus quartos, nos seus escritórios, entregues aos seus afazeres, sinto-me irresistivelmente atraído, queria ficar aqui também e esquecer a guerra; mas, ao mesmo tempo, isso também me repugna, tudo é tão mesquinho, como pode encher uma vida?... é preciso acabar com isso. Como podem ser assim, enquanto lá fora os estilhaços zunem sobre as trincheiras e os foguetes luminosos sobem, os feridos são arrastados em lonas para a retaguarda e os companheiros abaixam-se nas trincheiras? "

(...)

" Que é uma licença? Uma trégua, que depois torna tudo mais doloroso. Já se insinua uma despedida. Minha mãe me olha, em silêncio; sei que está contando os dias; todas as manhãs, ela fica triste: um dia a menos, pensa. Guardou minha mochila, para que não lhe lembre a fatalidade.
As horas passam depressa, quando se fica ruminando os pensamentos. Procuro dominar-me e acompanho minha irmã ao açougue, para comprar uma libra de ossos. Isto é um grande luxo, e já de manhã cedo faz-se uma fila para esperá-los. Muitos chegam a desmaiar.
Não temos sorte> depois de termos esperado, revezando-nos, durante três horas, a fila se dispersa. Os ossos acabaram."

(...)

" Ah, mamãe, minha mãezinha! Para você, sou uma criança ainda... por que não posso deitar a cabeça no seu colo e chorar? Por que sempre tenho de ser eu o mais forte, o mais controlado? Também gostaria de chorar e de ser consolado; na realidade, sou pouco mais do que uma criança; no armário, ainda estão penduradas minhas calças curtas de menino; foi há tão pouco tempo, por que já passou?
- Lá onde estamos agora não há mulheres, mãe - digo, com a tranquilidade que me é possível.
- E tome muito cuidade lá na frente, Paul.
Ah, mãe, mãezinha! Por que não a pego nos braços, e morremos juntos? Somos uns pobres-diabos!
- Sim, mãe, terei cuidado.
- Rezarei por vocês todos os dias, Paul.
Ah, mãe, mãezinha! Vamos levantar e percorrer esses anos passados, até que toda essa miséria não pese mais sobre nós. Voltemos atrás, àquele tempo em que só havia nós dois!
- Talvez você consiga uma posição que não seja tão perigosa.
- Sim, mamãe, posso ser mandado para serviço de cozinha, não é difícil consegui-lo.
- Aceite, meu filho, e se os outros disserem alguma coisa...
- Isto não me preocupa.
Ela suspira. Seu rosto é uma mancha branca no escuro."

(...)

" Coitada, está lá deitada na sua cama, ela, que me ama mais do que ninguém no mundo. Quando me preparo para sair do quarto, ela diz, rapidamente:
- Arranjei mais dois pares de ceroulas para você, de boa lã. Elas o aquecerão. Não se esqueça de colocá-las na mochila!
Ah, mamãe, mãezinha, como é possível que seja obrigado a deixá-la? Quem mais tem direito sobre mim, senão você? Ainda estou sentado aqui, e lá está deitada você, e temos tanta coisa a dizer-nos, que jamais conseguiremos fazê-lo.
- Boa noite, mãe.
- Boa-noite, meu filho.
O quarto está escuro. Ouço a respiração de minha mãe e o tique-taque do relógio. O ventro sopra e os castanheiros murmuram.
Na entrada, tropeço na mochila que já está lá, pronta, porque terei de partir amanhã bem cedo.
Mordo o travesseiro, agarro convulsivamente com meus punhos as barras de ferro da cama. Nunca deveria ter vindo.
Lá fora, muitas vezes fiquei indiferente e sem esperança; agora, nunca mais conseguirei sê-lo. Fui soldado e agora nada mais sou do que sofrimento... por mim, por minha mãe, por todos os desconsolados e condenados. Nunca deveria ter aceitado a licença."

Erich Maria Remarque - Nada de novo no front

sábado, 22 de janeiro de 2011

Pergunta

Há algum modo do passado não ser de fazer chorar?