domingo, 9 de agosto de 2009

Educação violenta

Acredito em vocação. É aquela coisa para a qual temos um conjunto de habilidades primitivas que nos favorece, e que por termos um corpo esperto, ele se/nos satisfaz dando prazer quando agimos pra desenvolver essas características. Para reconhecer essa(s) vocação(ões) precisamos experimentá-la(s) desde cedo, enquanto crianças. Primeiro precisamos abandonar a cultura da mente sobre o resto de nossa humanidade, para que deixemos de ser mentes desconectadas do corpo (nós refere-se a minoria que têm a chance de receber o ensino minimamente considerado de qualidade atualmente). Nosso corpo não é um meio de transporte para nosso cérebro. O corpo precisa ser mais valorizado enquanto local onde nos manifestamos e desenvolvemos. As artes também devem ser valorizadas, principalmente pelo seu contato com as emoções. Em suma precisamos reequilibrar o peso das disciplinas que ensinamos para que sejamos capazes de atender tanto o chamado vocacional quanto as necessidades da sociedade organizada em torno da produção. Esse é um dos grandes desafios da educação.

Outro ponto é que hoje apesar de todo o avanço técnico que vivemos e do poder de previsibilide que a ciência nos possibilita, temos um amanhã incerto. Não sabemos o que será do mundo daqui a 5 anos. Apesar disso precisamos continuar educando as pessoas pra esse mundo desconhecido. A única saída que vejo é ensinar (e quem ensina de verdade aprende e aprimora) valores numa espécie de educação atemporal, em contraposição a criar pessoas angustiadas com um mundo que não faz sentido. Precisamos começar a ser capazes de sentir e resolver nossas contradições. E o mundo atual chega a ser esquizofrenizante com tantas contradições que apresenta. Devemos educar, como diz Paulo Freire, "para a curiosidade epistemológica". Segundo ele ainda, "[...] o exercício de pensar o tempo, de pensar a técnica, de pensar o conhecimento enquanto se conhece, de pensar o quê das coisas, o para quê, o como, o em favor de quê, de quem, o contra quê, o contra quem são exigências fundamentais de uma educação democrática à altura dos desafios do nosso tempo".

Porém o mundo do capital torna bastante árdua a tarefa de educar. O mercado exige uma educação para a produção e para o consumo acrítico. E o pior, possui fortes mecanismos de perpetuação e controle muito eficientes. Nós embarcamos nessa onda e vivemos quase exclusivamente para o mercado, cada vez com menos tempo livre. O trabalho alienado, a linha de produção, foi levado até mesmo para altos escalões do mundo científico. E em nossa busca por satisfazer os desejos suscitados pelo mercado através da publicidade abandonamos as nossas vocações em troca das profissões e habilidades mais bem remuneradas. Esse é, discrepância salarial, outro ponto forte a ser debatido. A gritante diferença de valor dado pela sociedade às profissões é uma violência que precisa ter fim. Devemos expandir essa ideia para qualquer forma de acumulação. Platão em A República já imaginva uma sociedade onde não seria permitido que ninguém acumulasse mais do que 4 vezes o que possuem cidadãos médios. Razões outras, mas ideias válidas.

Deve existir limite para a compensação pelo mérito, principalmente quando é um mérito tão sem graça quanto o criado pelo mercado. Não consigo alcançar hoje quanto a enorme quantidade de estímulos por escolhas desvinculadas da vocação, torna infeliz uma sociedade. As profissões valorizadas enchem-se de maus profissionais, organicamente infelizes, em busca de status social e econômico, enquanto profissões menos valorizadas enchem-se de profissionais com baixa-estima, vivendo em condições econômicas menos dignas. Além disso todo o ambiente compartilhado onde tecemos nossas relações torna-se obviamente insalubre, degradando as relações humanas em diversas esferas.

Bom, como não é só o salário que irá qualificar o trabalho de um ser humano, precisamos criar uma cultura de valorização do trabalho, reforçando o valor de cada atividade para a sociedade, educando os indivíduos para que percebam esse valor. Todo mundo é "aprovado" para alguma atividade e não deve se sentir menor por executá-la.

É também essencial que sejamos capazes de abrir mão da eficiência produtiva, da produção supérflua, que necessita de desejos supérfluos, que necessita de estilos de vida supérfluos, que necessita de pessoas supérfluas, em troca de tempo e energia para realizar um debate crítico a respeito de nossas responsabilidades, debate sobre as consequências do que fazemos, debates éticos necessários frente às mudanças tecnológicas, e às consequentes mudanças culturais, ambientais e sociais do mundo moderno. Ser responsável custa, mas a irresponsabilidade será ainda mais custosa. Assim, precisamos educar para a reflexão e criar as condições materiais para que exista essa reflexão. Hoje porém, não há mercado para o debate.

Sem muitos detalhes, alguns resultados dessa reforma (que pelo que foi visto deve ser maior que apenas educacional) seriam, só para citar algumas percebidas numa análise rasa, o aumento da felicidade em nossas relações, crescimento da maturidade emocional, menos custos com saúde advindos da educação física, alimentar e emocional, diminuição das desigualdades e redução da violência.

O mercado criou um sistema educacional que organiza a pilhagem de nossas mentes em busca de matéria-prima específica, abandonando todo o resto. Concluo assim, que embotar a vocação é socialmente maléfico, por atentar contra nossa felicidade de forma violenta, limitando nosso potencial enquanto humanidade e portanto deve ter fim.

Algumas fontes de onde peguei ideias emprestadas:
>Ken Robinson no TED Talks:
As escolas matam a criatividade. PARTE 1 - PARTE 2
>Patch Adams no roda viva. PARTE 1
>Livro "Software Livre, Cultura Hacker e Ecossistemas de Colaboração". Baixe gratuitamente em:
http://softwarelivre.org/livro

>A República de Platão
>Artigo "Desmercantilizar a tecnociência" retirado do livro "Conhecimento prudente para uma vida decente." Gratuito em:
http://www.ufg.br/seminario-andifes/textos/ufscar/docs/desmercantilizar.pdf

2 comentários:

Pulga disse...

Como não concordar?

Mas, por outro lado, como alcançar algo que vai tão veementemente contra o mercado e suas articulações para nos tornar consumidores consumistas, ao invés de pessoas cidadãs?

O que percebi do que escreveste que acho que devias citar para ajudar na reflexão das pessoas - TED talks, Patch Adams, Desmercantilizar a tecnociência...

A favor da reflexão. E da revolução educacional. =D

Patucao disse...

Ok! Acrescentarei as devidas citações, todas elas na mosca.

Beijo!